TUDO BEM

Vamos falar sobre as verdades do dia a dia. É mentira que à noite a inspiração vem a tona, que surgirá um espírito adormecido que trará algo novo ou surpreendente. As coisas não funcionam assim. O talento é um dom raro, único e privilégio de poucos felizardos no mundo. Eles já nascem assim. O trabalho pode até despertar alguns “gênios temporários”. O criativo é aquele que reinventa uma palavra, faz de uma frase um parágrafo e de um pequeno texto um livro bem interessante de se ler. A música colabora para que a vida seja mais agradável. Há uma orquestra dentro de cada um tocando uma música diferente. As notas são diferentes. Dificilmente duas pessoas podem tocar em uma mesma melodia. É o caso do amor, quando toda sintonia é necessária. Aí as melodias distintas se colaboram formando uma só.

Enfim, o talento das pessoas funciona assim, elas tocam na medida certa, naquele instante em que todos estavam calados e o silêncio governava o ambiente. É tão mais fácil a matemática. É tão exata; onde dois e dois serão quatro para sempre e toda operação terá um resultado correto, mesmo que com duas casas decimais e tudo o mais, e você sempre saberá porque ele é assim, o porque de dois menos dois dar zero. Se tudo fosse tão simples assim de ser provado a vida então seria mais simples. Simplicidade é um privilégio dos poucos que conseguem ter controle sobre suas vidas. Aqueles que põem tudo à prova e nada perdem, pois sabem exatamente qual o valor da sua aposta pessoal. Arriscar é tão arriscado. É muito mais fácil ficar em casa, dormindo, vendo televisão, navegando no mundo virtual de um computador, ou mesmo lendo um bom livro, mas ali, isolado do mundo, saindo à rua depois que todos foram dormir. Viver como “o dia em que a terra parou”. Os homens estão cegos pelo poder que não negam esforços em sobrepujar um semelhante para seu próprio benefício.

Está tudo meio óbvio não? Bem, eu concordo. Mas são as verdades que, embora você já saiba tanto assim, nunca parou para pensar como eu paro todos os dias quando acordo, tomo meu banho, pego meu ônibus para o trabalho, dou bom dia à recepcionista e sento na minha mesa para começar meu dia. Sim, o tempo todo eu fico imaginando o que se passa na mente das pessoas. Será que elas estão realmente pensando? O que pensam? Que o cabelo está ruim e esta roupa não está muito boa? Fechei o gás? O que eu comi ontem? O que vou almoçar? Eu estou com fome? Fome de quê? Fome de viver meus caros amigos! Fome de acordar como eu acordo todos os dias e ter um bom motivo para sair da cama, ou simplesmente continuar nela até alguém aparecer e ver que você já não está mais ali. Quem vai prestar atenção em você? Um pessoa tão comum, tão igual às outras e se duvidar a ela mesma? As pessoas procuram pessoas diferentes, senão mudam de lugar no ônibus se vêem um outro onde possam ficar sozinhas, sem ninguém ao lado delas. Ir ao cinema na segunda-feira, na última sessão, quase ninguém para assistir ao filme, mas só você, ali sozinho, como sempre quis.

As pessoas querem mesmo ficar sozinhas? Há quem viva muito bem sozinho, ou pelo menos finge muito bem. Mas quem consegue viver sem precisar de ninguém? Um carinho, um papo, alguém para dividir um cerveja ou mesmo pedir um cigarro, ou parar simplesmente transar e ter um gozo, beijar, amar, brigar, abandonar ou ser abandonado e sofrer. Pior sofrer por ter perdido do nunca poder perder ninguém, pois nunca a teve.

Algo assim.

Mas eu não estou aqui para falar de amor. Que o amor seja dito pelos poetas, Vinícius ou o Renato Russo. Não sei. Falo aqui de gente, como eu e você, que se pergunta todos os dias:

-Porque diabos ainda estamos aqui?

-Para viver uma vidinha de merda e falar para todo mundo “oi, tudo bem?”, aí o outro vai e responde, “tudo bem!”.