quinta-feira, 17 de julho de 2008

Marlon Brando


O maior ator de toda a história do cinema, mas, acima de tudo, o fim de uma era, a extinção de um certo estilo de representação cinematográfica. Brando era um espanto, um ‘primus inter pares’ entre seus colegas, um intérprete cuja presença em cena derrubava os demais, tornando-se senhor absoluto. Ainda que com uma filmografia irregular, cedendo, nos últimos anos, à participação em filmes de somenos importância, os desempenhos marcantes de Brando se inserem, definitivamente, nos anais da história e, diga-se de passagem, não apenas do cinema, mas da arte do século XX. A sua morte faz desaparecer um símbolo, um emblema, um signo, do século passado. Talvez o último exemplo de grande astro da constelação fílmica.


Marlon Brando foi único e é insubstituível. Jack Nicholson, James Dean, Steve MacQueen, Roberto De Niro, Paul Newman, Al Pacino, Dustin Hoffman, Sean Penn entre outros, são, por assim dizer, ‘conseqüências’ de sua soberba interpretativa. A sombra de Brando constrangeu outros atores que poderiam ter se firmado, com mais relevância, nos anos 50. Sir Lawrence Olivier, por exemplo, considerado o maior ator de teatro do mundo, quando trabalhava no cinema, não tinha uma relação com a câmara tão flexível como seria necessário, considerando que o cinema tem uma linguagem diferente da do teatro e a postura do intérprete sofre alterações entre uma e outra forma de expressão.



O grande ator de cinema é aquele que tem intuição para se relacionar com a câmara, conforme escreveu muito bem Roland Barthes. Marlon Brando, neste particular, foi o maior de todos. Um mito, o intérprete de Don Vito Corleone tem trabalhos inesquecíveis em sua trajetória cinematográfica. Mas Brando começou no teatro, em ‘Um bonde chamado desejo’, em 1948, sob as ordens de Elia Kazan, que viria adaptar o mesmo texto para as telas em 1951, tornando ‘A streetcar named desire’, de Tennessee Williams, o insuperável dramaturgo, um filme referencial pela performance estupenda de Branco como Stanley Kowalsky. No Brasil, como de hábito, mudaram o título original para ‘Uma rua chamada pecado’, revelando, com isso, por parte de seus ‘tradutores’, uma estupidez sem limites.



A fonte na qual bebeu suas influências está no teatro realista americano dos anos 40. E uma estadia no Actor’s Studio, a célebre escola de teatro para formação de atores capitaneada por Lee Strasberg, Kazan, na qual foi criado o famoso Método. Mas Brando era o próprio Método e, como afirmou Stella Adler, uma notável ‘preparadora’ de intérpretes que influenciou toda uma geração, para ele não havia necessidade de uma formação, pois tinha uma intuição surpreendente.



Ator formado nos moldes de Constantin Stanislavsky, Brando, no entanto, conseguiu suplantar o modelo de representação, inaugurando uma nova maneira de atuar, de se comportar em cena, apondo uma inédita gestualística no ser-ator. Poder-se-ia dizer que instaurou, mesmo ainda no proscênio de ‘Um bonde chamado desejo’, uma nova estética interpretativa. Sabe-se que, para a formação de um ator, é necessário muito ‘laboratório’, muita concentração, a fim de que possa atingir uma técnica, que, aliada, a sua intuição, permita-o ascender a uma virtuose. Marlon Brando, todavia, fugiu a todas as regras, um caso raro de ator que se formou baseado na sua própria intuição. É verdade que aprendeu alguma coisa no ‘Actor’s Studio’, mas o fundamental vinha dele mesmo.



Numa época em que vigorava o galã, Brando, por ser bonito e talentoso, procurou nunca se tornar um tipo definido. Assim é que, na sua estréia em Hollywood, apesar de seu porte atlético e da beleza pessoal, escolheu o papel de um tetraplégico que fica o tempo todo preso a uma cadeira de rodas em ‘Espíritos indômitos’ (‘The men’, 1950), de Fred Zinnemann, diretor austríaco que se fixou em Hollywood e que dirigiria, poucos anos depois, o clássico ‘A um passo da eternidade’. O filme seguinte, ‘Uma rua chamado pecado’, detona seu sucesso imediato, a irradiação de sua personalidade esfuziante ao encarnar o Kowalsky, polaco-americano criado com tanta força por Williams para o teatro. Kazan o convida para um novo filme, ‘Viva Zapata’ (1952), no qual é o personagem título, o célebre guerreiro mexicano com ânsia libertadora, trabalhando, nele, ao lado de Anthony Quinn.



‘Julius Caesar’, de Joseph Mankiewicz, trouxe Brando para Shakespeare e seu Marco Antonio é admirável, principalmente no momento do discurso, um primor de interpretação. Emblemático, porém, ficou a sua imagem de motocicleta e casaco de couro em ‘O selvagem’ (‘The wild one’, 1953), de um inexpressivo Laszlo Benedeck, mas um filme que ficou gravado no imaginário dos anos dourados pela expressividade da figura de Brando, um autêntico ‘rebelde sem causa’. Não resta dúvida que James Dean copiou o ‘maneirismo’ do futuro Corleone em ‘Vidas amargas’ e ‘Juventude transviada’



Em 1954, no papel do ex-boxeador Terry Malloy, em ‘Sindicato de ladrões’ (‘On the waterfront’) ganhou o seu primeiro Oscar, também sob a orientação de Elia Kazan. A partir daí a carreira de Brando se estabeleceu como a mais brilhante de Hollywood, ainda que tenha o grande intérprete feito certas concessões comerciais para entrar em declínio nos anos 60. Reabilitou-se como o Don Corleone de ‘The godfather’, graças ao empenho de Copolla em lhe conseguir o papel, que os diretores da Paramount não queriam entregara Brando. E, na mesma época, ‘O último tango em Paris’, de Bertolucci.



O fim da carreira de Marlon Brando é melancólico, não somente por causa de seus problemas existenciais e familiares, mas, também, pela sua displicência. Participou, nos últimos vinte e cinco anos, de filmes menores e sem importância, excetuando-se o seu Kurtz magnífico de ‘Apocalypse now’, que tem a assinatura de Coppola. O cinema, com a morte desse monstro sagrado, perdeu a sua majestade. Disso não se tem dúvida.



Momentos fortíssimos de Brando: quando, em ‘Os pecados de todos nós’ (‘Reflections on a goldens eyes’), de John Huston, oficial homossexual do exército americano, passa creme no rosto indeciso se vai ou não encontrar um soldado; ainda como oficial, desta vez nazista, em ‘Os deuses vencidos’, de Edward Dmytrick, frente a um espelho, bate continência a olhar para si mesmo; a extraordinária, e um dos grandes momentos do cinema no século XX, ‘performance’ como Vito Corleone em ‘O poderoso chefão’ (‘The godfather’), de Francis Ford Coppola; quando, desesperado, bate na mesa a gritar em ‘Uma rua chamada pecado’, de Kazan, ou neste mesmo filme, grita o nome de Stella, ao pé de uma escada, tendo seu rosto em ‘close up’; o sinistro Coronel Kurtz de ‘Apocalypse now’, ainda que com uma participação já no final e de alguns minutos; o monólogo em ‘O último tango em Paris’, de Bernardo Bertolucci; o ex-boxeador de ‘Sindicato de ladrões’ (‘On the waterfront’), de Kazan, principalmente na cena em que dialoga com Rod Steiger no banco traseiro de um carro, um dos momentos mais surpreendentes de um ator ‘in progress’ de toda a história da sétima arte; quando, apaixonado por uma gueixa, no Japão, resolve ficar na ponte todos os dias para cumprimenta-la, mas, de repente, após um ano, deixando de saúda-la, ela olha para trás e ele, solene, demonstra desdém, momento de ‘Sayonara’, belo filme de Joshua Logan ( o mesmo de ‘Férias de amor’/’Picnic’). Entre muitos outros.



Para encerrar, um trecho do que disse Inácio Araújo, na ‘Folha’, sobre este mito: “Brando não foi só um ator, nem um ícone de seu tempo. Foi de uma só tacada um formidável monumento do cinema e a perfeita expressão do destino tortuoso dessa arte corrompida por seus milhões de dólares”.


2 comentários:

Renata Kanitz disse...

Lindo o artigo Juninho, principalente pq nao foca apenas nesse ator espetacular, mas fala um bocado sobre Cinema. Mas confesso q sou um bocado ignorante qto ao Brando, pois pouco assisti dele (assisti Um Bonde Chamado Desejo por indicacao sua e amei!). Vou tomar tento e puxar a filmografia dele.

Junior`s Jam disse...

Faça isso sim, vc como estudante de cinema, com certeza vai gostar de alguns filmes classicos que Brando participou.
O Poderoso Chefão,Apocalypse Now,Sindicato de Ladrões e O Pecado de todos nós,são filmes obrigatorios para pessoas que são apaixonadas por filmes.
Todo mundo sabe que nós dois somos apaixonados por cinema hehehehe